Misericórdia de Penamacor celebrou o Dia Internacional dos Monumentos e Sítios com um passeio por oficinas de artesãos.

A Misericórdia de Penamacor assinalou o Dia Internacional dos Monumentos e Sítios, que este ano se comemorou sob o lema “Património: de geração em geração”, com um passeio que juntou crianças e idosos numa viagem pelo tempo e por várias oficinas de artesãos do concelho. “Se nós não promovermos esta intergeracionalidade, muito provavelmente algum do nosso património vai perder-se, é por isso que o nosso grupo é de crianças dos sete aos 70”, justifica o provedor, João Cunha. 

O grupo, de 60 pessoas, interrompeu o silêncio da aldeia, quebrado nos restantes dias do ano pelo som seco do tear que vem da loja da ti Ludovina, a última tecedeira de Aranhas. Mas nem sempre foi assim. “Antigamente esta era a terra das tecedeiras, havia um tear porta sim, porta sim”. É fácil imaginar o concerto de teares pelas ruas de Aranhas, a aldeia que fica a dever o nome a esta arte, “a este emaranhado de fios que montamos no tear chama-se urdir a teia.” 

É nesta teia de fios que Ludovina Moreira lança a lançadeira com a destreza de quem faz isto desde os 14 anos. Hoje, aos 76, trabalha a arte por gosto. “Faço passadeiras, tapetes, almofadas para os sofás, vou a feiras de artesanato, faço trabalhos por encomenda e sou a única na aldeia, e no concelho, a trabalhar no tear que tem mais de 200 anos.”

Para os mais pequenos não é fácil perceber este secular instrumento. A Mariana acha que a Dona Ludovina “está a coser”, o Salvador diz que está a “fazer fios”. Mas na realidade está a tecer uma passadeira “faço uns dois metros por dia”, pelo menos enquanto a saúde e o velho tear deixarem. “Aqui na loja é só velharias, a começar por mim”, graceja fazendo soltar uma gargalhada ao grupo. 

Já em Aldeia de João Pires, a Misericórdia de Penamacor quis dar a conhecer o museu da casa paroquial. O espaço foi construído “para preservar todos os bens e relíquias da terra, desde a sala da arte sacra, onde se encontram imagens de S. Lourenço e Santa Maria Madalena datadas do século XV, até uma sala dedicada à história, usos e costumes da aldeia”, explicou José Candeias Moreira, promotor e guardião do espaço que é desconhecido até dos penamacorenses. 

Domingos Salgueiro tem 85 anos e nunca tinha visitado nem o museu nem a igreja, apesar dos escassos nove quilómetros que separam a sede de concelho, onde reside, de Aldeia de João Pires. “Gostei de tudo, não tenho palavras. É tudo antigo, já viu este sacrário que é uma pedra só? e fizeram tudo à mão com ponteiros e martelo. Antigamente é que se faziam coisas bonitas, agora não têm gosto para nada.”

Salvador, assim se chama a aldeia, é a nossa próxima paragem, onde nos espera António Gonçalves que abre as portas da sua casa, onde trabalha há 20 anos a cortiça, “Não tenho máquinas, é tudo feito à mão, a serrote, navalha e lixa. Faço tudo da cortiça.” 

Mas o que tem mais saída são os bancos a que antigamente chamavam trapeços, como recorda Ana Corucho. “Noutros tempos havia trapeços em todas as casas, como não havia mesas de jantar, sentávamo-nos nos trapeços, à volta da lareira, onde comíamos com o pratinho na mão e bem felizes, mais do que agora com todos os requintes. Eu mandei fazer dois para recordação”.

Aos 80 anos, António Gonçalves já não deita contas ao tempo que demora a fazer uma peça. “Faço isto para passar o tempo”.

Tal como António Vinagre, que já perdeu a conta aos adufes que fez na vida, “uns milhares”, de todos os tamanhos, desde os mais pequenos, “que levam como recordação”, aos maiores, “para os apreciadores”. 

Nunca aprendeu a tocar, mas sabe todos os segredos que dão um bom toque ao adufe. “Boa madeira, boa pele de ovelha, também há pele de cabra, mas a melhor é a da ovelha.” E não esquecer de deixar dentro do adufe, antes de o forrar com a pele, caricas e uma pedra, mas não é uma pedra qualquer, “tem de ser de areia, as outras não prestam.” 

Entre os que sabiam tocar adufe e os que quiseram experimentar, a loja de António Vinagre foi palco de uma atuação improvisada do tema “Senhora do Almurtão”, que apesar de religioso é, na raia, acompanhado por este instrumento pagão, trazido para a Península Ibérica pelos árabes.

Neste passeio nada foi deixado ao acaso. Até a merenda, preparada pela Misericórdia no centro de dia que gere na aldeia, foi feita a pensar no património, tradições, usos e costumes do concelho, como explica Idalina Cruchinho, a encarregada geral da Santa Casa. “Tentámos partilhar um lanche com produtos regionais, como os enchidos, queijo, pão e bolos, e expô-los em produtos da terra utilizando a cortiça como travessas que colocámos sob toalhas de linho e mantas de trapos.” As flores silvestres completaram a decoração da sala onde se erguia uma torre de provérbios recolhidos junto dos utentes do centro de dia, de que é exemplo o certeiro adágio popular “a capa e a merenda nunca fizeram má companhia”.  

Este ano e sob o tema “Património Cultural: de geração em geração”, as Misericórdias de Albufeira, Aveiro, Crato, Leiria, Montijo, Penamacor, Ponte de Lima, Porto, Sertã e Viana do Alentejo desenvolvem atividades variadas que vão de exposições a visitas guiadas e ateliês temáticos.

Voz das Misericórdias, Paula Brito