Da Praça Carlos Alberto à Rua das Flores, passando pelo Campo dos Mártires da Pátria distam menos de dois quilómetros. Um percurso curto, mas carregado de história. E quem melhor para a contar que “gentes da terra”? Já em pleno ambiente natalício, partimos numa viagem pelos Mercados Natalícios do Porto, guiados por Germano Silva, jornalista especialista da história do Porto e autor de numerosos livros a seu respeito. Esta iniciativa faz parte das Visitas d'Autor do MMIPO (Museu da Misericórdia do Porto), orientadas por prestigiadas figuras, profundamente conhecedoras da cidade do Porto.

A manhã está fria, ainda que aqui e ali espreite o sol. Germano Silva, de samarra vestida, comprada na casa da especialidade em Penafiel, dá as boas vindas aos participantes e inicia uma viagem no tempo. A memória e a fluidez no discurso, assim como o andar ligeiro e descontraído fazem-nos duvidar dos 90 anos de idade. O segredo, haveria de dizer no final da visita, está “na água”.

Começamos a viagem na Praça Carlos Alberto. Daqui, em 1874 partiam os elétricos para a Foz. Restaurantes, tabernas, hospedarias e estalagens marcavam, por aqui, forte presença. Da Confeitaria Oliveira saíam os melhores Bolo-Rei para as gentes ricas da região. Diz-se que a tradição do brinde e da fava no típico doce de Natal teve origem neste espaço da cidade, responsável pela organização de grandes festas de todo o Entre Douro e Minho. Em vésperas de Natal, o corrupio e a agitação nesta praça eram uma constante.

De forma diária, quinzenal, mensal ou em alturas específicas, os mercados e feiras eram a forma de comércio mais comum da época. Na outrora Praça ou Largo Santa Teresa, também apelidada de Praça das Pombas ou Praça do Pão, por referência ao Mercado do Pão lá realizado, juntavam-se as padeiras de Valongo e as de Avintes. Umas chegavam a pé, outras vinham de barco e ali vendiam pão, regueija e os cacetes para as rabanadas. Hoje, na denominada Praça de Guilherme Gomes Fernandes, apenas resiste a Padaria Ribeiro e consta que mantém a confeção dos biscoitos com pão de milho.

A escassos metros repetia-se o mercado dos legumes e hortaliças. Germano Silva continua e leva-nos agora para próximo da cadeia, onde aproveita para recordar a sua tia avó, que por vezes deu guarida ao conhecido Zé do Telhado. Estamos no Jardim de João Chagas — popularmente conhecido como Jardim da Cordoaria — localizado no Campo dos Mártires da Pátria. “À época era proibido aos juízes a socialização com a comunidade. Então, era comum vê-los passear por estes jardins”, explica o jornalista. Pelo Natal, cumprindo uma das obras de misericórdia, os membros da Santa Casa visitavam os presos. Na Antiga Cadeia da Relação, esteve preso Camilo Castelo Branco e diz-se que escreveu a sua obra-prima, o Amor de Perdição.

Os presépios e cascatas de Natal, bem como os seus adereços, encontravam espaço de destaque na Rua da Assunção ou Rua dos Oleiros. Mestres oleiros e artesãos de toda a região vinham vender as suas peças nesta rua, tão procuradas pela classe burguesa.

O movimento abundante de pessoas ditava o local para a realização de feiras e mercados. Desse modo, a Praça da Liberdade, antiga Praça D. Pedro, como ponto central da cidade acolhia regularmente mercados como do linho, dos queijos e enchidos. Exclusivamente pelo Natal, a venda de mel, pinhões e nozes assentava arrais pela Rua de Trás, nos Caldeireiros. A visita termina na Igreja Privativa da Misericórdia do Porto.

Germano Silva encerra a visita numa conversa com o Voz das Misericórdias (VM). De forma simpática explica-nos que “além da visita dar a conhecer o funcionamento dos mercados e a forma como nossos avós viviam a véspera de Natal, revelamos também a obra de misericórdia que a instituição sempre desenvolveu junto dos presos, dos mais idosos e necessitados”. Germano Silva mostra um imenso orgulho em ter também trabalhado na secretaria do hospital de S. António, no Porto, na altura administrado pela Santa Casa, e sublinha que “essa passagem ajudou muito na minha formação cívica e no homem que hoje sou”. Durante o percurso realizado passamos por alguns hospitais, outrora administrados pela Misericórdia, o que consubstancia mais uma prova “da ação social que a instituição sempre desenvolveu na cidade”.

Voz das Misericórdias, Paulo Sérgio Gonçalves