Ao longo dos séculos o tema do Ecce Homo está retratado na arte, surgindo por vezes com uma abordagem mais humanista, noutra mais antropocentrista.

“Ecce Homo”. Estas terão sido as palavras que Pôncio Pilatos disse ao apresentar Jesus Cristo aos judeus de acordo com o evangelho segundo S. João. Em português, a frase significa "Eis o Homem". Flagelado, atado e com uma coroa de espinhos. É deste modo que Jesus Cristo, a figura mais interpretada pela arte, é representado um pouco por todo o mundo. Com especial enfoque a partir do século XV, Ecce Homo é a representação de uma figura em sofrimento, mas que, ao mesmo tempo, demonstra tranquilidade e serenidade, num dos momentos mais marcantes para a religião católica.

Integrado na programação da Páscoa, o Museu da Misericórdia do Porto (MMIPO) acolheu mais uma sessão das Conversas no MMIPO. Subordinadas ao tema "A iconografia do Ecce Homo na arte", o historiador Vítor Teixeira, que é investigador e docente na Universidade Católica Portuguesa (UCP), foi o orador convidado para falar do momento da Paixão de Cristo.

“Um desafio perigoso, até pantanoso”. É deste modo que o investigador inicia a sua conversa. Pelo tanto que se pode dizer, pelo que representa, pelo dramatismo do tema. Ao longo dos séculos o tema do Ecce Homo está retratado na arte por todos quantos estudam teologia. Surgindo por vezes com uma abordagem mais humanista, noutra mais antropocentrista, a imagem do Deus filho - Jesus Cristo – está plasmada na obra de artistas de todo o mundo.

Fazendo referência a uma pintura do século XV, Vítor Teixeira destaca que, apesar do sofrimento após a flagelação, Jesus Cristo apresenta um ar sereno, contemplativo, podendo representar, por isso, a “resiliência e resistência ao sofrimento”. Numa função de pedagogia social, a imagem pode ser entendida como a de um indivíduo que aceita o desafio: “Aceito entregar-me para a cruz”.

Ainda segundo o docente da UCP, os artistas obedeciam a padrões e a tendências dentro daquilo que a Igreja e a Inquisição permitiam. Cada artista tinha a sua interpretação, embora se possam criar padrões entre as várias abordagens. As cores, por exemplo, dão nota disto. O azul violáceo escuro e o roxo, cor que se usa em época de Quaresma, representam o rigor mortis.

O vermelho surge como a cor da fé e também a cor dos mártires.  Numa representação de Antonio Ciseri (1821-1891), Jesus enverga um manto púrpura. É apresentado por Pilatos ao povo, que pede a sua condenação. A mão de Pilatos tem um significado subliminar, explica Vítor Teixeira: “Em sinal de alerta, de espera. De interrogação à população sobre se seria aquele o homem que queriam condenar”.

Noutras representações de arte, o filho de Cristo surge com uma cana na mão e na cabeça uma coroa de espinhos. Os soldados apresentam-se de joelhos perante a sua figura. A referência a estes atributos tem o propósito de ridicularizar aquele a quem chamavam o Rei dos Judeus. A cana verde substitui o cetro dos reis, a capa escarlate, cor de sangue e sofrimento, mas também a capa usada pelos reis. Em substituição do manto real, Jesus apresenta-se por vezes com um farrapo, como forma de sátira. A coroa de espinhos, como símbolo de pobreza e de escárnio.
Todas estas formas de linguagem simbólica e pictórica são utilizadas pelos artistas, que interpretando o evangelho, representam o momento da Paixão de Cristo.

Numa obra de Caravaggio, presume-se que datada de 1605, a tranquilidade, a passividade e a serenidade do rosto daquele que era um Rei sem trono. Em contraposição, os olhos semicerrados e a forma da boca demonstram algum do sofrimento vivenciado.

O tema atravessa séculos e até no século XIX encontramos quem represente o Ecce Homo, como o fez Honoré Daumier, entre 1848-52. 

O Ecce Homo é de uma importância enorme na teologia e na arte é muito fecunda na sua reprodução. Ficou claro, no final de mais uma sessão de Conversas no MMIPO, que a representação é diferente entre artistas. Uns mais dramáticos, outros mais fortes, outros mais teatrais, cénicos e até democráticos.

Voz das Misericórdias, Vera Campos