Mais do que títulos ou cargos, José Calado vê-se como alguém que trabalha para dar sentido à memória coletiva. “Considero-me um homem de causas”, sublinha. Reconhecido como historiador e investigador na área da história e do património cultural, tem um objetivo muito claro: provar que o conhecimento histórico é essencial para compreender e valorizar o presente, tanto no plano material como imaterial.

O gosto por história acompanha-o desde a infância. Desde cedo quis saber mais sobre os antepassados, sobre a vida das comunidades e a forma como estas se transformaram ao longo dos tempos. Por isso, inscrever-se no curso de história, ramo de património cultural, na Universidade de Évora, foi uma escolha natural.

Terminado o curso, decidiu dedicar-se em exclusivo à investigação, mesmo sabendo as dificuldades que iria enfrentar numa área tantas vezes desvalorizada.

Enviou dezenas de propostas, participou em projetos de investigação em centros de estudos, passou horas em arquivos e bibliotecas, em contacto com manuscritos e documentos antigos. Em 2005, surgiu o primeiro projeto fora da academia, a convite do Núcleo Andebol de Redondo, do qual fazia parte. Dessa experiência nasceu o livro ‘Jogos Tradicionais Portugueses e Internacionais’, financiado por um programa europeu.

O caminho, no entanto, foi exigente: muitos nãos, poucas portas abertas. Ainda assim, José Calado nunca desistiu. Durante mais de 15 anos trabalhou como uma espécie de “freelancer” da história, batendo a todas as portas, defendendo a importância do conhecimento histórico. Em 2020, decidiu dar um passo inovador: fundou uma empresa dedicada à investigação histórica e patrimonial. O objetivo era duplo: apoiar instituições na valorização do passado e criar oportunidades para jovens recém-formados, permitindo-lhes seguir o mesmo sonho fora do contexto académico. Desde então, já proporcionou trabalho a mais de uma dezena de jovens, embora apenas três tenham contrato permanente, reflexo das limitações de recursos numa área ainda “mal paga”. Ao longo do percurso, já publicou mais de 25 obras como autor e coautor, fruto da dedicação, da persistência e da confiança de todos os que acreditaram no seu trabalho.

Apaixonado pelo Alentejo, vê a região como um todo. Para ele, não há alto, baixo, central ou litoral, mas sim um único Alentejo, que deve unir-se nas grandes causas para vencer os desafios da desertificação, do envelhecimento e da perda de população. “Só assim poderá progredir e fixar pessoas no território, aumentando a qualidade de vida”, defende.

Entre as suas áreas de fascínio destacam-se a história local e regional, pelo contacto próximo com as comunidades; a história das Misericórdias, pelo legado extraordinário destas instituições; a história da vinha e do vinho, pelo impacto cultural e económico; a história do desporto, que cruza com outra paixão sua; e o património cultural imaterial, pelo valor do saber-fazer tradicional. A ligação às Santas Casas tem também raízes pessoais. O pai era irmão da Misericórdia de Redondo e, em 2010, José Calado foi convidado para um estágio na instituição, tornando-se também irmão e, mais tarde, mesário. Recorda com emoção esse primeiro contacto, sobretudo a experiência de trabalhar com o arquivo histórico: “Foi uma honra consultar, tratar e catalogar aquele acervo”. Desde então, nunca mais perdeu a ligação à instituição.

O que mais o marca nestas instituições é a forma como atravessam séculos mantendo a mesma missão: estar ao lado das comunidades e das suas necessidades mais prementes. Para José Calado, as Misericórdias são património vivo, lugares de memória e de solidariedade, que continuam a ser fundamentais no presente e assim permanecerão no futuro.

“Os homens partem, as Misericórdias ficam”. Esta é a frase que resume a sua convicção de que estas instituições, tal como a história que as sustenta, continuarão a ser faróis de identidade, proximidade e esperança.

 

Atravessar crises sem perder a identidade

Para José Calado, a história das Misericórdias confunde-se com a das próprias comunidades alentejanas. Indispensáveis no apoio social, souberam atravessar séculos sem perder a identidade e continuam a responder aos desafios, como se viu no combate à pandemia, sendo presença ativa e indispensável. “Quando as comunidades precisam, as Misericórdias estão sempre presentes”.

 

Edições que preservam a memória coletiva

A ligação do historiador às Misericórdias traduz-se em livros, investigação e projetos de memória. Foi autor da coleção ‘Cadernos d’O Redondense’ (2010- 2019), colabora desde 2019 com a Misericórdia de Évora, onde organizou o museu, publicou livros e coordena uma revista. Trabalha ainda com as Misericórdias de Arraiolos, Mora e Redondo em obras comemorativas e integra um projeto nacional com a UMP, para preservar e dar voz à história destas instituições.

 

Perfil

José Calado, de 44 anos, é historiador e consultor, doutorando na Universidade de Évora. Especialista em património e na história das Misericórdias, é autor de 25 obras e CEO da empresa ‘História e Memória’.

 

Voz das Misericórdias, Rosário Silva