Inventariar e preservar. Dois verbos reiteradamente escutados ao longo de todo o dia, no âmbito das VIII Jornadas ‘Museologia nas Misericórdias’, que tiveram lugar em Amarante, no dia 5 de maio. Da cultura ao turismo, passando pela museologia, todos os intervenientes realçaram a necessidade de “criar memória”.

Considerando que o inventário do património deve ser “a primeira prioridade de todos os processos”, Mariano Cabaço, responsável pelo gabinete do Património Cultural da União das Misericórdias Portuguesas, recordou o ministro da Cultura, Pedro Adão e Silva, quando este afirmou que “o património é exatamente aquilo que não é efémero e que garante a nossa identidade. Nós todos vamos passar, mas há uma permanência e uma continuidade, um conjunto de elementos, que são a nossa memória coletiva e que existem além do período em que nós vivemos. Portanto, preservar o património é garantir a memória, e a memória não é apenas um olhar nostálgico sobre aquilo que fomos, é uma forma de nos projetarmos, de olharmos para o futuro”.

Por isso, continuou o responsável da UMP, “este desafio deve mobilizar todos: garantir a memória e projetar a ação no presente. Só assim poderemos afirmar a identidade das Misericórdias, respeitando o legado que recebemos e promovendo a sustentabilidade e a visibilidade das nossas instituições”, acrescentou.

Na mesma linha de pensamento, Laura Castro, diretora regional da Cultura do Norte, corroborou a necessidade da preservação e divulgação do património das Misericórdias, e frisou ainda a disponibilidade de reforçar a colaboração com a UMP, que já está protocolada e a funcionar.

O presidente da UMP diria mesmo que “a preservação [do património] é um combate da nossa identidade, pelo nosso futuro”. Segundo Manuel de Lemos, “olhamos para esta realidade nas Misericórdias como estratégia de oferta cultural, como contributo para a economia do turismo, mas sobretudo, como suporte de grande afirmação da nossa identidade secular”.

 

‘AMANHÃ JÁ É TARDE’

Hugo Cálão foi o responsável pela inventariação do património da Misericórdia de Águeda. Nestas VIII Jornadas, socorreu-se de uma frase do padre António Vieira para lembrar a necessidade de inventariar. “Nós somos o que fazemos, o que não se faz não existe. Só existimos verdadeiramente quando fazemos. Nos dias em que não fazemos nada, apenas duramos”.

Tal como haviam aludido, durante a manhã, Isabel Fernandes, do Paço dos Duques de Bragança, Rosário Machado, do Museu Amadeo Souza Cardoso, e Cristina Mendes, do Turismo do Porto e Norte de Portugal, é “preciso ação”. Para Hugo Cálão, “só podemos divulgar se realmente conhecermos. As Misericórdias têm de investir no estudo da sua história, do seu património. Devem dar mais mérito aos investigadores”, apelou.

Para este mestre em património, “nem tudo tem de passar pela museologia. O que deve acontecer, verdadeiramente, é esta proximidade de quem visita e de quem recebe. Tal como referiu Isabel Fernandes, se o património for usado, arejado, não se perde”. Hugo Cálão incentiva ao registo da memória, nas suas mais variadas formas: fotografia, vídeo, áudio. “Temos de começar já. Amanhã já é tarde”, conclui.

 

PATRIMÓNIO E COMUNIDADE

Atrair as comunidades locais aos espaços museológicos das Misericórdias exige criatividade, perseverança e também investimento. As Misericórdias de Matosinhos e de Anadia são exemplos disso. Em Amarante, apresentaram os seus espaços e divulgaram o método escolhido para atraírem mais visitantes.

Rita Pedras, do Museu do Bom Jesus de Matosinhos, recordou que, durante um longo período, o museu, que existe desde 1993, esteve encerrado ao público. A reabertura, em 2016, deu-se de “forma ténue”. “Em 2021, abraçámos um novo projeto, com uma nova linguagem expositiva e uma readaptação do edifício a espaço museológico”. Orientado para receber e atrair novos públicos e a comunidade local, em 2022, o museu desenvolveu uma dezena de atividades, entre exposições de pintura, concertos e apresentação de livros. Rita Pedras sublinhou que “todo o museu ganhou vida”. “Foi uma experiência interessantíssima ver os artistas a comunicar com o museu. Tivemos 40 músicos a ensaiar por todas as salas do museu. Um ato de comunicação que trouxe até nós famílias e outros visitantes”, constatou com emoção.

Em Anadia, a Misericórdia local tutela o Museu José Luciano de Castro, que completa em 2023 o seu 25º ano de existência. Para além de preservar a memória de um homem e da sua família, que deixou todo o seu património à Santa Casa de Anadia, o acervo deste espaço museológico serve também a comunidade escolar.

João Nascimento, responsável pelo museu, assumiu que o trabalho desenvolvido nos últimos anos tem permitido “aproximar a comunidade”. “Acreditamos que é nosso dever investir na cultura e conhecimento, educar para os valores da sociedade”, enumerou. Por isso, entre as iniciativas desenvolvidas, destaque para a ‘Aula no Museu’ e o ‘Museu Vai à Escola’.

Na primeira situação, o espaço acolhe professores e alunos em contexto de sala de aula, disponibilizando uma área em que se abordam temas específicos e com presença no museu. No segundo caso, o museu desloca-se às escolas mais afastadas do centro, levando alguns elementos que podem sair. João Nascimento admite que, “se por um lado, o turista tem interesse em conhecer a história da família que dá nome ao museu, por outro entendemos que as nossas comunidades – escolar e sénior – devem ver o museu não só como um local de aprendizagem e de memória, mas também como um local de criação de sentido e de descoberta cultural.”

 

PRÓXIMA EDIÇÃO EM SEIA

No final dos trabalhos, José Augusto Silveira, provedor da Santa Casa de Amarante e vogal do Secretariado Nacional da UMP responsável pela área do património, elogiou a determinação demonstrada por todos os presentes.

“Saímos daqui estimulados na nossa vontade e reforçados na determinação de preservarmos o património e a identidade das Misericórdias. Ao cuidarmos do património, criando condições adequadas de exposição e divulgação pública, damos prova de que as Misericórdias são instituições de presente, com orgulho no passado, mas projetadas no futuro”.

Para este responsável, “só abrindo e divulgando convenientemente o nosso património, oferecendo à fruição pública a nossa mensagem e a nossa memória, poderemos contribuir para uma sociedade mais inclusiva, sustentável, dinâmica e evoluída”. José Silveira terminou anunciando que as XIX Jornadas ‘Museologia nas Misericórdias’ acontecerão em Seia.

Pelo trabalho desenvolvido na área do património, José Silveira foi homenageado pelas Misericórdias, através do presidente da União, Manuel de Lemos.

 

Voz das Misericórdias, Vera Campos