Misericórdia de Arouca criou um grupo de apoio a sobreviventes de AVC e seus cuidadores. Primeira reunião envolveu sete pessoas

Guerreiro. Segundo o dicionário, é homem ou pessoa batalhadora, que luta, que vence os desafios, que não desiste. Esta definição assenta como uma luva aos sobreviventes de AVC que deram resposta afirmativa, no passado dia 28 de fevereiro, para a criação do Gabinete de Ajuda Mútua (GAM) da Santa Casa da Misericórdia de Arouca.

O impulso foi dado pela terapeuta da fala, Daniela Ferreira, que, após contacto mantido com a Associação Portugal AVC, lançou o desafio aos “guerreiros”, como carinhosamente os trata. “Muitos dos sobreviventes acabam por se sentir sozinhos e isolados podendo, a partir daqui, estabelecer uma partilha entre todos”, refere ao Voz das Misericórdias (VM). 

À primeira chamada marcaram presença sete pessoas que atualmente realizam trabalho de recuperação na Misericórdia arouquense, tendo também contribuído com testemunhos três elementos da Portugal AVC e alguns cuidadores. 

“Este primeiro contacto passa por motivar os utentes a aderirem ao GAM todas as últimas quintas-feiras de cada mês e trazer outros utentes”, explica Daniela Ferreira, acreditando que a adesão aumente “porque existem muitos casos tratados na Misericórdia”.  

O presidente da Portugal AVC, António Conceição, também ele sobrevivente de um AVC, deu o mote lembrando que “a vida não para, mas tem de adequar-se a uma nova velocidade”. Recordando a sua própria história, contou que, aos 41 anos, teve um AVC. “Tive logo os três sinais de AVC mais comuns: falta de força num dos lados do corpo, desvio da face e dificuldade em articular palavras. Os meus colegas de trabalho ligaram para o 112, permitindo-me ter assistência hospitalar rápida. Mas o entupimento de uma artéria cerebral (AVC Isquémico) transformou-se numa hemorragia cerebral bastante extensa (AVC Hemorrágico)”, conta. António Conceição sublinhou a importância da recuperação para minimizar as mazelas com que ficou para o resto da vida. “Agora, vivo um dia de cada vez”, reforçou. 

“Não há dois AVC iguais, nem dois processos de recuperação iguais”, afiança o presidente da associação criada para ajudar os sobreviventes a retomar a vida de maneira diferente. A partilha de experiências vivenciadas através do GAM não substitui o tratamento médico, “mas pode ser uma terapia complementar muito importante”, sustenta. 

Após um vídeo motivacional, António Conceição lançou o repto aos presentes de contarem a sua própria história. Foi com alguma dificuldade que as palavras começaram a soltar-se. 

Arménio Correia ainda não está refeito do valente susto. “Era uma pessoa muito ativa e tinha uma memória de elefante, mas, agora, há coisas que me esqueço no momento, embora passado algumas horas acabe por me lembrar”.  

Em novembro do ano passado, a vida de Fernando mudou substancialmente. “Estava ao telefone com um empregado que, apercebendo-se que eu não estava bem, veio ao meu encontro à loja onde me encontrava. Fiquei com problemas na fala, a boca ao lado e não me estava a aperceber de nada”, recordou. O facto de ter sido acionado o 112 no imediato e ser encaminhado para o Hospital Santo António podem ter evitado sequelas maiores. “Entrei numa sexta e no domingo já estava a pedir o jornal à enfermeira, em quinze dias regressei ao trabalho”, diz orgulhoso. 

Sandra Silva, filha e cuidadora de Clarinda Tavares, com as lágrimas a escorrer-lhe no rosto e a voz embargada, recorda o momento de aflição vivido. “A minha mãe teve o AVC às 10 da manhã e só por volta das 14h30 é que demos conta. Ela era muito ativa, fazia tudo o que era preciso no campo”, lembrando que “é uma doente oncológica, já venceu três cancros e vai mais uma vez vencer esta dura batalha”, afiança. 

Há sensivelmente um ano, Afonso Costa, pintor de reconhecidos méritos na comunidade arouquense, teve um AVC que o deixou com hemiparesia direita e com problemas na fala. 

Como a arte é a sua paixão e principal atividade, a Santa Casa de Arouca resolveu homenageá-lo. No passado mês de janeiro, o serviço de medicina física e de reabilitação comemorou dez anos de vida, tendo a efeméride sido aproveitada para expor algumas das obras do artista efetuadas antes e depois do AVC. “Não tem sido fácil, mas lá vamos devagarinho”, disse emocionado o artista. 

Depois de ?cerca de uma hora de conversa e partilha, Daniela Ferreira lançou a questão: podemos contar convosco para formar o GAM da Misericórdia de Arouca?

A resposta foi afirmativa, ficando desde já assente que a próxima sessão, que decorrerá a 28 de março, será sobre gestão das emoções dos sobreviventes e dos cuidadores.

Voz das Misericórdias, Paulo Sérgio Gonçalves