José Miguel Noras, provedor da Misericórdia anfitriã, evocou o longo histórico da instituição na gestão hospitalar - durante mais de quatro séculos - para sublinhar a legitimidade e a capacidade das Santas Casas em assumir responsabilidades no presente. “Temos doze enfermeiros. Dizem-nos que é o máximo. Nós dizemos que é o mínimo dos mínimos e talvez ainda não chegue”, afirmou, criticando a insuficiência estrutural de meios nas respostas sociais.
Na mesma linha, o presidente da Câmara Municipal de Santarém, João Teixeira Leite, defendeu uma política pública de saúde que envolva ativamente o setor social. Com experiência prévia na administração de uma Misericórdia, a de Leiria, o autarca referiu que “libertar recursos da área da saúde para garantir resposta social foi sempre um esforço necessário”, considerando essa articulação como a verdadeira essência da missão das IPSS. “A política pública deve mobilizar todos: hospitais públicos, setor social e também o privado”, frisou, reafirmando a disponibilidade da autarquia para colaborar em todos os projetos que visem o bem-estar da população.
Da parte da Segurança Social, Paula Carloto de Castro alertou para a urgência de intervenções estruturadas em duas áreas que, no seu entender, exigem resposta imediata: o apoio domiciliário e a saúde mental. No distrito de Santarém, há cerca de cinco mil utentes com acesso a apoio domiciliário, dos quais quatro mil estão abrangidos por acordos de cooperação. Mas a procura está a crescer. “Cada vez mais pessoas precisam, ou preferem, ser cuidadas em casa”, explicou, sublinhando a necessidade de equipas multidisciplinares, com enfermeiros, fisioterapeutas, psicólogos e assistentes sociais, bem como de cuidadores formais e informais devidamente preparados. Defendeu ainda uma aposta clara na saúde mental comunitária e na personalização dos cuidados: “Temos de olhar para a solidão, a depressão e a ansiedade como realidades urgentes, sobretudo entre os mais vulneráveis.”
Com um discurso ancorado na filosofia da economia social e nos fundamentos constitucionais do Serviço Nacional de Saúde, o presidente da União das Misericórdias Portuguesas, Manuel de Lemos, defendeu que, sempre que o Estado não tenha capacidade de resposta direta, deve recorrer em primeiro lugar às instituições do setor social e só depois ao setor privado. “Se a Constituição consagra o direito à proteção da saúde, não especifica quem a deve prestar. E é aqui que o papel das Misericórdias se torna fundamental, como entidades de interesse público reconhecido.”
Ao caracterizar o momento demográfico atual como uma “revolução grisalha”, lembrou que a esperança média de vida em Portugal, que em 1920 era inferior a 40 anos, ultrapassa hoje os 80 anos. “Em 100 anos, demos 50 anos à vida e agora temos de dar vida aos anos”, afirmou. Sublinhou ainda que os lares e os serviços de apoio domiciliário já são, na prática, respostas de saúde e não apenas de ação social, e que essa realidade deve ser assumida no planeamento e no financiamento público.
Com um olhar crítico, mas construtivo, Manuel de Lemos apontou a incapacidade histórica de articulação entre saúde e segurança social como uma das grandes fragilidades do sistema português, reforçando que as Misericórdias têm sido, muitas vezes, a última linha de resposta para os mais frágeis. “São as Misericórdias que asseguram cuidados continuados, apoio domiciliário, respostas para idosos da classe média e para os mais pobres, muitas vezes onde mais ninguém chega”, concluiu, citando o Papa Francisco: “Um Estado que não cuida dos seus idosos, das suas memórias, não tem destino.”
APOIO DOMICILIÁRIO PRECISA DE NOVA AMBIÇÃO
A ideia de que o serviço de apoio domiciliário é a resposta ideal ao envelhecimento demográfico não resiste à realidade do terreno. Apesar de amplamente reconhecido como desejável, o SAD continua a ser uma resposta subvalorizada, fragmentada e, frequentemente, desadequada às necessidades concretas da população idosa. Esta foi a principal mensagem deixada por Carlos Andrade, vice-presidente da UMP.
“O Estado fatia a realidade em ministérios, cada um trata da sua parte e ignora as restantes”, criticou, referindo-se à ausência de articulação entre saúde e segurança social. Ao contrário do Estado, as Misericórdias encaram cada pessoa com uma visão holística, reconhecendo a sobreposição das dimensões física, social, emocional e relacional do cuidado.
Apontou, ainda, as incoerências do atual modelo de financiamento: “Como se justifica que o Estado pague o mesmo valor por um serviço domiciliário na Amadora e em Muge, onde se percorrem quilómetros para levar uma refeição?”. Considerou absurda a limitação do financiamento a cinco dias por semana ou a discriminação por número de utentes apoiados em simultâneo. “O custo não está nos utentes, está nos recursos humanos e esses têm de ir na mesma.”
No encerramento da sua comunicação, o vice-presidente da UMP traçou o cenário de três caminhos possíveis para o futuro: nada fazer até que os idosos forcem politicamente a mudança; encher o território de lares; ou, finalmente, transformar o SAD numa resposta moderna, estruturada, tecnológica e eficaz, ainda que mais cara. “É uma questão de opções. O país terá de escolher se quer cuidar dos seus idosos ou não. Mas acredito que sim, porque eles serão tantos que se farão ouvir.”
Para Carlos Andrade, as Misericórdias estão preparadas para liderar este processo de renovação. “Mesmo sendo centenárias, sempre souberam ler os sinais do tempo. Também nesta matéria, estaremos na primeira fila, com o Estado e com a academia, para cuidar dos idosos em Portugal.”
Voz das Misericórdias, Filipe Mendes