A posição das Misericórdias em relação à Rede Nacional de Cuidados Continuados Integrados (RNCCI) foi recentemente reconhecida pelo Tribunal de Contas (TdC). Em causa está um relatório de auditoria sobre a RNCCI, divulgado a 23 de janeiro. O presidente da União das Misericórdias Portuguesas (UMP), Manuel de Lemos, congratula-se com o documento e espera que o governo siga as recomendações apresentadas.

Segundo nota do TdC, “o objetivo desta auditoria foi avaliar se a RNCCI, criada em 2006, garantiu o acesso dos utentes a cuidados de saúde de qualidade e financeiramente comportáveis no período de 2017 a 2023”. As conclusões sistematizam as fragilidades da Rede e confirmam algumas reivindicações da UMP sobre este tema.

Um dos pontos é o modelo de financiamento, que, de acordo com o TdC, assenta “na atividade realizada, indiferente à qualidade dos cuidados prestados e aos resultados alcançados, com preços fixados não sustentados em metodologias de custeio, determinados administrativamente e sem revisão periódica, o que constitui um risco para as finanças públicas, para a sustentabilidade das unidades e para o seu desenvolvimento, mais premente num contexto de progressivo envelhecimento populacional”.

A capacidade instalada aquém das necessidades da população portuguesa também é referida no relatório. “Decorridos 17 anos, o desenvolvimento da RNCCI permanece aquém das metas de cobertura traçadas aquando do seu lançamento em 2006. A revisão das metas de desenvolvimento da Rede adiou a sua concretização para 2030, não sendo claro em que medida refletem adequadamente as necessidades atuais e futuras deste tipo de cuidados”. Além disso, “o crescimento da procura de cuidados continuados não foi acompanhado pelo reforço da capacidade instalada, prejudicando as condições de acesso à Rede”.

Esta falta de resposta, refere o mesmo documento, “é a principal causa dos internamentos inapropriados nos hospitais, o que tem conduzido à contratação de camas de retaguarda exteriores”. O alargamento da capacidade de resposta da RNCCI teria, por isso, “potencial de poupança” visto que, em média, o gasto diário em camas de retaguarda (111,98 euros) é superior às diárias na Rede: 75,48 euros em unidades de longa duração e manutenção, 95,84 em média duração e reabilitação e 110,84 nas unidades de convalescença.

Falta de apoios ao investimento, Plano de Recuperação e Resiliência (PRR) e fragilidades do sistema de informação da RNCCI são outros exemplos de temas abordados no âmbito desta auditoria do TdC.

Segundo Manuel de Lemos, a UMP acompanhou de perto a evolução deste relatório e teve a oportunidade de o comentar, no âmbito de uma pronúncia formal em dezembro de 2024. No comentário apresentado, o presidente da UMP destaca que qualquer revisão à legislação relativa aos cuidados continuados deverá considerar a evolução demográfica e também a prevalência de demências em idosos.

Eventuais revisões devem procurar agilizar a referenciação dos utentes “com o objetivo de tornar mais célere a ocupação das camas, assim se aliviando os hospitais de agudos e, paralelamente, aumentar o objetivo do número de camas necessárias para uma resposta eficaz”.

No que respeita ao financiamento, Manuel de Lemos acrescenta a obrigação, por parte dos prestadores de serviço na RNCCI, de cobrar a condição de recurso a utentes e seus familiares. Esta circunstância, por serem frequentes as situações de incumprimento, “agrava ainda mais a sustentabilidade das instituições”.

“Sendo a RNCCI uma rede pública, em que o Estado referencia os utentes para cada uma das tipologias, calcula o montante da condição de recurso (quando é o caso) e atribui a respetiva alta, é óbvio que cabe ao Estado suportar a 100% o custo médio da exploração de cada uma das tipologias”, refere o responsável.

Sobre os avisos do PRR para alargamento da RNCCI, o presidente da UMP destaca dois problemas. Em primeiro lugar, o desajustamento entre o valor comparticipado por cama (40 mil euros) e o valor de mercado (entre 65 e 70 mil euros), circunstância que pode inviabilizar a concretização das candidaturas, especialmente pelo setor social e solidário.

Sucede também, continua Manuel de Lemos, “que, neste processo de elegibilidade parece ter havido um número significativo de irregularidades, e no caso concreto das Misericórdias, várias interpuseram providências cautelares à decisão dos respetivos júris, pelo que se anteveem dificuldades na conclusão, em tempo útil, destes investimentos”.

O relatório foi tornado público no dia 23 de janeiro e pode ser consultado através deste link.

Entre outras recomendações aos ministérios da Saúde e da Segurança Social, o TdC refere a “avaliação e revisão do modelo de funcionamento e financiamento da Rede, reiterando o compromisso assumido pelos vários governos com o setor social e solidário, recomendação que também é dirigida à Direção Executiva do Serviço Nacional de Saúde”.