O pacto de cooperação para a solidariedade social, assinado em 1996, vai ser revisto em 2021. A notícia foi avançada pela ministra do Trabalho, Solidariedade e Segurança Social durante a assembleia geral da União das Misericórdias Portuguesas, que decorreu em Fátima no dia 11 de dezembro. Ana Mendes Godinho aproveitou para reconhecer publicamente o “papel extraordinário” que as instituições do setor social “têm desempenhado nos territórios, na resposta a quem precisa, onde e quando precisa”.

Em declarações ao VM, a ministra da tutela revelou que o grupo de trabalho para a revisão do pacto é liderado pelo provedor da Santa Casa da Misericórdia de Lisboa, Edmundo Martinho, e contará com a participação das organizações representativas do setor social e solidário. Os trabalhos deverão ter início ainda durante o ano de 2020 e, numa primeira fase, serão identificadas as áreas prioritárias no quadro desta revisão.

Destacando que “passados 25 anos, o país é outro”, Ana Mendes Godinho referiu que a revisão visa renovar, “de forma madura”, esta “parceria histórica” entre Estado e setor social. Além das questões demográficas, esta reflexão poderá incidir também sobre a pertinência de novas respostas e equipamentos sociais para fazer face às necessidades dos portugueses e também sobre o combate à pobreza, a sustentabilidade das instituições e a valorização dos trabalhadores do setor social.

A ministra do Trabalho, Solidariedade e Segurança Social falava à margem da assembleia geral que reuniu pouco mais de 50 provedores em Fátima, número que, segundo o presidente da União das Misericórdias Portuguesas (UMP), é explicado pelas medidas de contingência, pelos surtos de Covid-19 em estruturas das Misericórdias e também pelo mau tempo que assolou o país naquele dia.

Além da revisão do pacto e reconhecendo que as instituições estão com problemas de liquidez para responder às exigências da pandemia, a ministra da tutela elencou uma série de medidas, umas de emergência e outras estruturais, que o governo levará a cabo durante o ano de 2021. Uma delas é o pagamento das comparticipações sociais independentemente da frequência dos utentes até ao fim do primeiro semestre de 2021. Trata-se de uma “notícia que a todos tranquiliza e nos deixa focar na nossa missão”, disse a governante, lembrando que a medida inicial previa esse pagamento até setembro, foi depois estendida até dezembro de 2020, mas para apoiar as instituições, o governo alargou o prazo por mais seis meses.

A consolidação do programa de acolhimento de altas sociais dos hospitais em estruturas do setor social foi outra novidade avançada por Ana Mendes Godinho, justificando a decisão com os “muito bons resultados” alcançados. Desde março, foram solucionadas as situações de 1259 pessoas que, apesar da alta clínica, continuavam nos hospitais públicos por motivos sociais. Para este “programa histórico, as Misericórdias foram determinantes”, disse. O programa Qualifica Social, o MAREESS até junho de 2021, um simplex social, com vista a “derrubar a burocracia, para nos focarmos no essencial”, e a vacinação nos lares são outras medidas que, no entender da ministra, serão estruturais para o setor.

Questionada diretamente pelo presidente da UMP, Manuel de Lemos, a governante deu conta aos presentes do trabalho que está a ser realizado com a ministra da Saúde e com o ministro das Finanças para a atualização dos valores de comparticipação no âmbito da Rede Nacional de Cuidados Continuados Integrados (RNCCI). As dificuldades sentidas por diversos provedores marcaram grande parte do debate na assembleia de 11 de dezembro.

Trata-se de “um assunto que nos está a preocupar muito”, disse o presidente da UMP, deixando um apelo ao “preço justo da resposta” porque a comparticipação atual está a “tornar-se uma questão central para a sobrevivência das Misericórdias, que fazem o possível e impossível para ajudar os portugueses e para colaborar com o Estado”.

Recordando um estudo promovido pela UMP, com a coordenação do vice-presidente Manuel Caldas de Almeida e do tesoureiro José Rabaça, Manuel de Lemos pediu, em relação aos cuidados continuados, uma medida profilática, à semelhança do que foi feito em relação às comparticipações de respostas sociais.

A este propósito, Ana Mendes Godinho recordou que os três ministérios estão a “trabalhar afincadamente para encontrar uma resposta paliativa e uma resposta estrutural”, destacando ainda que o primeiro-ministro é um “grande defensor” da RNCCI, que é uma das prioridades de investimento no quadro da ‘bazuca europeia’.

Momentos antes e por proposta do Secretariado Regional (SR) da UMP do Porto, a assembleia aprovou um conjunto de recomendações, no quadro da articulação entre segurança social e saúde, a enviar ao governo.

Segundo Maria Amélia Ferreira, presidente do SR do Porto e provedora da Misericórdia de Marco de Canaveses, “temos de passar à ação” porque é “inquestionável a relevância” desta articulação, especialmente num quadro de saúde pública como o atual. “Parcas palavras de reconhecimento não se fazem acompanhar pela justa comparticipação” e por isso é urgente a elaboração de um modelo de articulação.

Além da criação de uma plataforma política entre governo e setor social que possa emitir recomendações sobre novos caminhos a percorrer e de um gabinete técnico conjunto que inclua os parceiros que estão no terreno, a proposta do SR do Porto apela, até ao final deste ano civil, à regularização de todas as situações pendentes de pagamentos e a uma correção financeira das comparticipações de média e longa duração, “sob pena de serem encerradas unidades”.

A atuação das brigadas de intervenção rápida foram igualmente tema de debate nesta assembleia geral. As reclamações vieram do distrito de Coimbra, através de intervenções do provedor José Dias Coimbra, de Arganil, e do presidente do SR, António Sérgio Martins, que também é provedor da Misericórdia de Pampilhosa da Serra. Ambos destacaram que, face à incapacidade de respostas das brigadas, um conjunto de Santas Casas uniu-se para apoiar uma Misericórdia que se encontrava em situação especialmente complicada.

Esta solidariedade entre instituições foi saudada pelo Secretariado Nacional e a propósito das brigadas, Manuel de Lemos disse que “o resultado globalmente não é bom, mas tem corrido muito bem nalguns sítios”.

A vacinação também foi tema marcante neste encontro e, segundo o presidente da UMP, deve avançar em janeiro. “Idosos e trabalhadores dos lares estão em primeiro lugar, mas não estavam e isso deve-se a um esforço grande das entidades representativas do setor social”. A inclusão de utentes e trabalhadores na primeira fase de vacinação é “uma boa notícia” porque vai permitir controlar a doença nas Santas Casas.

“Continuamos a ter muitos surtos e alguns muito pesados do ponto de vista dos óbitos. Estamos descapitalizados, com grandes faltas de recursos. Não me vou alongar porque os senhores, que vivem isso no dia a dia, sabem bem que a situação é difícil e complexa”, disse o presidente, deixando um apelo: “Não podemos desistir, temos de continuar a ser resilientes.”

Dez dias depois da assembleia geral, Marta Temido e Ana Mendes Godinho anunciaram o pagamento integral da frequência da RNCCI, retroativos a fevereiro de 2020 e com duração até março do próximo ano. 

Voz das Misericórdias, Bethania Pagin