José Manuel Fernandes, eurodeputado, escreveu um artigo de opinião na edição de julho/agosto do jornal "Voz das Misericórdias" sobre o Prémio do Cidadão Europeu que o Parlamento Europeu atribuiu à União das Misericórdias Portuguesa

No passado dia 8 de julho, o Parlamento Europeu atribuiu o Prémio do Cidadão Europeu à União das Misericórdias Portuguesas (UMP). O prémio distingue, anualmente, as associações que, em cada Estado Membro da União Europeia, se destacam na promoção dos valores europeus. Assim, o Parlamento reconhece o papel da dignidade humana, da igualdade e dos direitos do Homem, incluindo os direitos das pessoas pertencentes às minorias, na construção de uma Europa mais solidária, pluralista, justa e tolerante.

Em 2021, a UMP foi a única associação galardoada em Portugal. O mérito desta distinção é da União e das suas Misericórdias, dos seus filantropos, colaboradores e voluntários. Esta é uma justa homenagem ao trabalho que desenvolvem nos hospitais, lares e estabelecimentos de cuidados continuados, bem como nos centros de dia e nos domicílios dos mais carenciados. Esta é uma obra incansável, por vezes invisível, mas que, como o prémio demonstra, a todos cumpre reconhecer.

Com efeito, não hesitei em nomear a UMP para este prémio, trabalhando numa candidatura que se veio a revelar vencedora. A escolha da UMP, pela Chancelaria do Parlamento e, nomeadamente, pelo seu presidente, é de meridiana justiça.

Por um lado, a UMP desempenha, desde 1976, uma função federativa e agregadora, que logrou reforçar o papel das Misericórdias no contexto do Portugal democrático. Depois do 25 de abril, com o advento do Estado social – também Estado-providência –, a Administração Pública passou a prosseguir novos fins e a realizar mais atividades. Ao mesmo tempo, a iniciativa privada proliferou em virtude da liberalização da economia e do país. E, ainda assim, a UMP reforçou e continua a reforçar a sua relevância, no âmbito do setor social, como se antolha pelos factos e números da sua atividade: só desde 2020, a UMP chegou a mais de 160 000 pessoas carenciadas, através de 520 lares, 115 estabelecimentos de cuidados continuados, 23 hospitais, 295 centros de dia para crianças e 300 serviços ao domicílio, e de 45 000 colaboradores diretos e cerca de 10 000 voluntários, bem como milhares de colaboradores indiretos.

Por outro lado, a UMP lidera um conjunto de Misericórdias com pergaminhos centenários em Portugal. Desde o século XV – não por acaso, período áureo da portugalidade –, a obra das Misericórdias vem beneficiando os mais carenciados, encabeçando o setor social em Portugal e representando a caritas de matriz cristã que o país leva a todo o Mundo. A obra das Misericórdias portuguesas é insubstituível no apoio social, na ajuda aos mais vulneráveis, na saúde e na defesa de valores nacionais, europeus e universais. Ela é particularmente relevante nas regiões menos desenvolvidas, onde a promoção da coesão territorial, económica e social é mais premente.

Por conseguinte, a atribuição do Prémio do Cidadão Europeu à UMP é merecida e, diria até, imperativa. Mas ela é particularmente prestigiante no ano de 2021, demonstrando a importância das Misericórdias no combate aos efeitos da crise provocada pela Covid-19. A pandemia ceifou – e ainda ceifa – milhares de vidas no nosso país. A crise económica e social que se segue tem de ser evitada e cumpre reconhecer que os poderes públicos não têm sido, por si só, capazes de vencer este combate.

Hoje, mais do que nunca, Portugal precisa do setor social. Portugal precisa de uma UMP forte, presente no espaço público e por ele reconhecida. Porquanto a atribuição do Prémio do Cidadão Europeu à UMP lança um repto aos poderes públicos e à sociedade civil, para que se mobilizem e apoiem a UMP como esta tem apoiado os mais carenciados.

Mas esta distinção constitui, também, um desafio à própria UMP. Ela recebe, do Parlamento Europeu, não apenas este prémio, que reconhece o passado e o presente, mas um mandato para o futuro. Um mandato para continuar a universalizar a sua mensagem e a sua obra, através das suas 14 obras. Para que mostre à Europa que é no terreno, junto das pessoas, que a União se faz e se renova. Porque sem proximidade, sem coesão e sem solidariedade não há projeto europeu.

No próximo dia 9 de novembro, será um gosto receber a UMP, em Bruxelas, e presenciar a entrega do prémio a quem mais fez, tem feito e, acredito, continuará a fazer por essa proximidade, coesão e solidariedade – como diria Robert Schuman – por uma solidariedade de facto – em Portugal, na Europa e no mundo.