Manuel de Lemos, presidente da União das Misericórdias Portuguesas (UMP) escreveu um artigo de opinião na edição de maio do jornal “Voz das Misericórdias” sobre a cimeira do Porto, que decorreu no âmbito da presidência portuguesa da União Europeia, e no qual alerta para o facto de não se ter falado dos idosos

Manuel de Lemos, presidente da UMP

Sou dos que pertencem ao grupo que acredita que a União Europeia (EU), ou será social ou não será! É óbvio que a EU é fundamentalmente, e bem, um espaço económico, mas porque se integra (embora não o esgote) no espaço core da Europa, só terá verdadeiras possibilidades de triunfar se a componente social estiver bem presente e assegurar a coesão, a inclusão e a dignidade e a cidadania dos cidadãos dos Estados-membros.

Por isso, acolhi com entusiasmo que a presidência portuguesa tivesse proposto como tema central o pilar social da União Europeia, por duas razões principais: por um lado, porque Portugal é um dos países da EU em que a necessidade desse pilar social está ainda muito presente, visto que somos dos Estados-membros mais pobres, onde a carência de tudo o que referi acima é uma evidência; por outro lado, porque a pandemia ainda “anda por aí” e porque a sua simples presença tornou muito premente a necessidade de reforçar e reconstruir esse dito pilar.

Neste contexto, a cimeira social do Porto constituiu, como era previsível, o habitual happening de folclore político, que todas as presidências, sobretudo nos países mais frágeis, promovem; mas, e isso é que interessa, a Declaração do Porto é uma declaração forte (preste-se neste ponto uma vénia devida ao ex-ministro Vieira da Silva, que foi o seu principal autor) e que deve ser olhada e seguida com cuidado e atenção. Neste contexto, e considero esse passo determinante: a Declaração do Porto passa da declaração de princípios definidos em 2017 em Gotemburgo para um verdadeiro plano de ação.

E aqui é que começa a minha preocupação, sobretudo no que respeita a Portugal. Na verdade, infelizmente, a realidade portuguesa vive intensamente este tipo de momentos, mas depois perde-se rapidamente no “politicamente correto” e no dia-a-dia da oportunidade política. A título de exemplo, veja-se quanto tempo, dois dias depois da cimeira, esta vai ocupar os média, comparativamente com o caso Zmar.

Acresce que os portugueses descomprometidos que estiveram na cimeira e que leram com atenção a declaração devem ter reparado num facto curioso. É que não há nela nem uma palavra sobre os idosos, os tais que morreram aos milhares na pandemia...

Consciente do peso que os idosos têm na necessidade de proteção social em Portugal, não posso deixar de ficar preocupado pela circunstância de a EU considerar como aspetos prioritários (passo a citar) a proteção das crianças, a promoção da igualdade de género, o combate à pobreza, o emprego e a formação. Obviamente que subscrevo. Mas nem uma palavra sobre os idosos?

Pensando positivamente, só encontro uma razão para que os idosos não se constituam como preocupação. É que, na maior parte da EU, os idosos já não constituem provavelmente problema. Boas reformas e um suporte do Estado (para os que são acolhidos em lares ou cuidados em sede de apoio domiciliário) que lhes assegura cuidados de saúde, dignidade e cidadania. Mas, se o meu olhar for menos positivo, então é porque ainda está presente na Europa uma certa ideia de que os idosos são o passado, logo descartáveis, e sobretudo, muito caros.

Vieram-me à mente as palavras do Papa Francisco: “Um povo que não cuida dos seus idosos é um povo sem futuro, porque quem não cuida do passado não tem futuro.”

Querem melhor evidência de que precisamos de muitas cimeiras?