Na edição de março do jornal "Voz das Misericórdias", o presidente da UMP fez um balanço do último ano, marcado pelo combate à pandemia, onde destaca os momentos de "provação" vividos pelas Misericórdias, a demagogia presente na comunicação social e comentários políticos e a necessidade de reformulação das políticas públicas sociais, com base numa reflexão conjunta, "diálogo, bom senso, cooperação e partilha".

"Escrever sobre o papel das Misericórdias de Portugal no contexto da presente pandemia é escrever sobre mais um momento sublime da história destas instituições penta seculares.

De facto, como sempre aconteceu no passado, é nos momentos difíceis para as comunidades que as Misericórdias alcançam o seu verdadeiro esplendor.

Ora, este momento tem constituído verdadeiramente mais uma provação para as Misericórdias, os seus dirigentes (sobretudo os efetivos), os nossos colaboradores, todos em defesa das pessoas que têm a seu cargo. Por isso, têm vivido com o “coração nas mãos”, porque cada surto, cada caso positivo, cada ameaça os colocam numa angústia de perderem pessoas que conhecem, muitas vezes desde a infância e que com eles atravessaram boa parte das suas vidas. Também por isso cada óbito é para todos muito mais do que um número, corresponde sempre a uma pessoa com quem se partilhavam afetos, interesses, histórias de vida.
E essa circunstância muda tudo e explica muita coisa.

Recordo-me que no princípio da pandemia e durante muito tempo a comunicação social fez dos lares (e das outras estruturas residenciais) o “bombo da festa” do desastre que então começávamos a viver. E logo os “comentaristas” habituais se apressaram a desenhar o fim dos lares do setor solidário, com alguns partidos políticos a aproveitarem o momento para demagogicamente lançarem a “inevitabilidade” política de uma rede pública de lares. Infelizmente para eles e felizmente para os nossos idosos, os heróis do quotidiano (dirigentes e colaboradores) assumiram as rédeas da proteção dos idosos, de tal forma que Portugal hoje é um exemplo de sucesso de proteção a idosos em estruturas residenciais. Na verdade, a taxa de óbito em estruturas residenciais em Portugal é das mais baixas, senão a mais baixa da Europa e para isso contribuíram decisivamente as Misericórdias e todo o setor social.

Reconheço o trabalho fantástico dos nossos profissionais de saúde, mas os voluntários do setor solidário e os trabalhadores que eles lideraram foram os verdadeiros heróis anónimos desta guerra sem quartel.
Fez-se tudo bem? Claro que não. Mas quem fez? Aonde? Com que recursos?

É preciso mudar muita coisa? Claro que sim. Temos margem de progressão? Claro que temos. Mas, meus caros, se nós temos que mudar e progredir, também o Estado tem que mudar e progredir.

É forçoso reconhecer que o Senhor Presidente da República, o Senhor Primeiro Ministro e a Senhora Ministra do Trabalho da Solidariedade e da Segurança Social foram aliados imprescindíveis nos momentos que vivemos e que se desdobraram em trabalho e imaginação. Sem dúvida nenhuma e para eles o nosso bem-haja! Mas, se queremos ser exatos e verdadeiros, temos que reconhecer que, mais uma vez, não foi o setor social que se apoiou no Estado, mas o Estado que se apoiou no setor social.

Ora o futuro exige diálogo, bom senso, cooperação e partilha. O futuro exige do Estado reflexão conjunta sobre o que poderá ser a nossa quota parte na execução das políticas públicas sociais, abertura de oportunidades às iniciativas do setor, descriminações positivas, responsabilidade, financiamentos justos, pagos a tempo e horas, da mesma forma que o futuro exige das instituições transparência, partilha de informação, qualidade na prestação de cuidados e abertura à mudança.

Acresce que o futuro começa agora, ou melhor, começou ontem! Vai ser preciso trabalhar e trabalhar muito para continuarmos a proteger os nossos idosos. Desde logo porque o vírus também “vai continuar a andar por aí” e porque, vencida a pandemia (quando for vencida), vamos por certo ter também (infelizmente tudo aponta nesse sentido) uma crise social pela frente, onde, mais uma vez, a “almofada social” seremos nós. Mas também, porque o número de idosos, de pessoas frágeis, de pessoas com várias doenças crónicas acumuladas, de pessoas com baixíssimos níveis cognitivos, de pessoas com dependências de vários tipos vai continuar a aumentar exponencialmente com inevitáveis consequências para as Misericórdias, restante setor social e para o Estado. Mas também porque urgirá aproveitar os recursos nacionais e os comunitários que a União Europeia coloca à nossa disposição para investimento, requalificação, formação, transição digital e transição ambiental.

Tudo isso só será possível com instituições fortes, sustentáveis, competentes, rigorosas, capazes de pagar salários dignos aos seus colaboradores, unidas à volta das suas Uniões.

É do nosso interesse, mas também é do interesse do Estado. Em nome das pessoas e por causa das pessoas!

Neste contexto, a revisão do Pacto de Cooperação será com certeza a pedra de toque deste futuro que é urgente ser construído. 

As Misericórdias são instituições intemporais que celebram a vida, talvez por lidarem tanto com a morte, mas, de certeza, porque essa celebração da vida constitui a idiossincrasia da sua identidade e da sua natureza.

Logo, não somos de desistir nem de vergar. Com persistência, resiliência, apoiados nos nossos valores e na nossa matriz, com serenidade, tranquilidade e absoluta determinação".

Voz das Misericórdias