Da janela do Centro João Paulo II, em Fátima, onde trabalha desde 2024 como ajudante de cozinha, perspetiva o futuro com esperança, apesar da preocupação com o aumento do custo de vida em Portugal. Os planos são continuar por cá com a família. “Gosto da língua, das pessoas, das escolas, do tempo, comida, tudo, tudo, se não gostares, não ficas”, justifica.
Nascida em Bagdade, no Iraque, Tahani mudou-se para a Líbia aos dez anos e residiu neste país até ao início da vida adulta. Mas o contexto de guerra e instabilidade política ditaram nova mudança em 2015. Nesse ano, chegou à Sicília e de lá seguiu para Roma, onde se encontrou com o Papa Francisco, pela primeira vez, no centro onde a família foi acolhida.
O segundo encontro já aconteceu em Portugal, no Santuário de Fátima, e foi um momento marcante, onde a ligação se fez muito além das palavras. “Não entendemos o que ele disse, mas o sorriso descreve o que está no coração do outro”, recordou, confidenciando ao VM que pertencer a tantos lugares tem sido “uma sensação linda e assustadora ao mesmo tempo. Naquela época não havia estabilidade, mas agora me sinto estável, graças a Deus”.
A sua vida mudou muito desde então. Mora perto do local de trabalho, na freguesia de São Mamede, no concelho da Batalha, e tem um horário que lhe permite dar apoio à família numerosa. “Trabalho dois dias e folgo dois dias, 11 horas, com pausa de almoço, só na cozinha fazem este horário. É muito bom se tiver consulta porque não falto ao trabalho. E quatro crianças precisam de muitas coisas em casa. Fazer almoço, jantar”.
A gestão do tempo e do orçamento familiar exige ponderação de todos os membros do agregado. “Eu digo sempre que tem de esperar para comprar coisas. Faz parte dos valores que estamos a transmitir na educação. Muitas coisas estão caras, carro, seguro, medicamentos, roupas, material e tem de pagar o passeio da escola para ter as mesmas oportunidades”.
Em casa, Tahani tem quatro filhos, entre os quatro e os 17 anos: Rochdi, Mohammed, Adam e Tamim. Os mais velhos, com 15 e 17, frequentam o Agrupamento de Escolas da Batalha e falam fluentemente português, que já dominam melhor que a língua materna. “Eu falo sempre com eles em árabe para não esquecer a língua, mas eles às vezes não conseguem responder por escrito em árabe”.
Através dos filhos, a mãe admite que se tornou mais fácil aprender a língua portuguesa, com a ajuda de um curso de português de 150 horas e das colegas do Centro João Paulo II. “Quando venho aqui trabalhar na cozinha pergunto os nomes, gosto de aprender. Às vezes tem uma palavra e não sei se está certa, mas toda a gente ajuda e respeita”, relata satisfeita, acrescentando que o respeito e interesse é mútuo.
Nesta partilha, alguns colegas pedem para trazer e dar a provar iguarias do Médio Oriente: kebab, falafel, kibe, chamuças, nos salgados, baklava, kunafa e kataifi, nos doces. E Tahani faz-lhes a vontade, com um sorriso que cativa desde a primeira interação. “Nós gostamos muito de coisas fritas, é mais saboroso, vocês não gostam tanto de gordura”, diz-nos em tom de brincadeira, deixando um aviso, que soa familiar: “Se vocês estão na minha casa tem de sentar, comer e beber, gostamos de receber, de ter coisas para os amigos e colegas”.
A residir em Portugal há quase dez anos, admite que também já se rendeu à gastronomia nacional, em particular canja, caldo verde, sem chouriço (por ser muçulmana não come carne de porco) e bacalhau. Gosta, sobretudo, das sopas e diz que já provou todas. Não há como negar que a sopa é um prato típico português.
Voz das Misericórdias, Ana Cargaleiro de Freitas